terça-feira, 21 de maio de 2013

X

A maior parte desta poesia
é hipocrisia.
Não quer nada dizer e nada diz.
Se algo quiser dizer, algo diria.
Quer somente fingir que não fingia
oferecendo enganos para ti,
que finges crer que é verdade
a mensagem que te envia,
e finges que tens saudade
da saudade que exprimia
alguém que não a sentia,
mas que se enganava assim,
cúmplice da tua porfia
de enganar a ti e a si.
A ti fingindo entender.
A si fingindo saber
o que queria dizer,
ainda que não o sabes;
pretendendo ter as chaves
para abrir
o que nunca se fechou,
porque nunca teve portas,
e aquelas palavras mortas
ajuntavam-se ao achou,
não por santa inspiração,
nem por subconscientes graça:
por rotineira trapaça
e vazia pretensão.
Assim, é feita desta arte,
com notória hipocrisia,
a maior parte
desta poesia.

Carvalho Calero, Ricardo Reticências... (1986-1989) Compostela: Sotelo Branco 1990 p.122-123



Ricardo Carvalho Calero (Ferrol, 1910; Compostela, 1990)

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